Monday, July 09, 2007

"- Pode ser, mas. Suponhamos. Eu já vivi isso. E se realmente gostarem? Se o toque do outro de repente for bom? Bom, a palavra é essa. Se o outro for bom pra você. Se te der vontade de viver. Se o cheiro do suor do outro também for bom. Se todos os cheiros do corpo do outro forem bons. O pé, no fim do dia. A boca, de manhã cedo. Bons, normais, comuns. Coisa de gente. Cheiros íntimos, secretos. Ninguém mais saberia deles se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua lá dentro, bem dentro, no fundo das carnes, no meio dos cheiros. E se tudo que você acha nojento for o que se chama de amor? Quando você chega no mais íntimo. No tão mais íntimo, tão mais íntimo que de repente a palavra nojo não tem mais sentido.(...) Amor no sentido de intimidade, de conhecimento muito, muito fundo. Da pobreza e também da nobreza do corpo do outro. Do teu próprio corpo que é igual, talvez tragicamente igual. (...) O que vale é ter conhecido o corpo de outra pessoa tão intimamente como você só conhece o seu próprio corpo. Porque então você se ama também."

caio fernando abreu





é engraçado quando alguém que nunca soube da tua existência de repente transcreve todo teu conceito filosófico sobre a coisa mais abstrata do mundo em um livrinho, comprado por acaso num aeroporto, e lido numa fila do consulado americano.

Monday, June 11, 2007

nesses dias prefiro nem saber que horas são
e nem levanto, afinal
horas por horas... que hora seria a hora de parar?
tomar um banho?
banho, como que pra tirar essa coisa salgada, com gosto de não-sei-o-quê
que besunta a noite, o dia, quando não acordo e não durmo
dias esses em que não se acorda,
porque é insuportável o cheiro do mar
e é insuportável também sair dele
é insuportável comer,
e parar de.
fumar é o que nos consola,
e a insônia se perpetua o dia inteiro,
dia esse que não tem fim, nem meio,


e a gente se dói porque é mais fácil doer inerte
que fingir não ver a barragem cedendo
e o mar, o insuportável mar, varrendo tudo o que tinha

sou o fundo do mar
estou lá embaixo, o chão
sou o chão
sou o menor grão das minhas incontáveis horas
que horas são?
o mar veio a mim como penitência ao meu pecado original de existir
e no meu repouso, sou, do fundo, o lodo
numa imensidão azul, repouso,
num não-respirar, eu deito
num não-ser, sendo,
existindo,
lá embaixo
e o peso do oceano testemunhando a preguiça e o desconforto
de olhar pro lado e ver o dia
e ver as horas
e levantar.

Tuesday, May 29, 2007

não pense que te quero como casa
lar de vestígio, e dos poemas que rasguei
na minha casa não há espaço pra nada além do que se fez ocupar
não quero-te, bom dia,
café
cama feita.
e não quero-te, raso
pois nos meus versos não cabem mais verbos simplórios
palavra dita, banal.

não digamos nada.

quero-te apenas riso e defeito
brigas e gozo
coração, e o mundo todo dentro de um brilho no olho
que é pra saberes que de ti não espero nada além de apenas ser
apenas sentir,
apenas deixar

que é pra saberes
que ser amor me basta.

Monday, April 23, 2007

"esse final verdeiro. esse grito que ninguém quer dar, esse verso que ninguém tem coragem de cantar. cantei. o final verdadeiro de tudo que começa como um olhar que não vem como espada, mas como presente forjado, de mágoa ao avesso, de transe, de boca demais. o final verdadeiro das noites e das palavras, entoei. cantei as palavras, amaldiçoando o começo, como que pra me livrar do pesar do final. o final, do medo, que eu senti quando te digo sempre adeus. redimir-me da culpa e ser um pouco mais pesadelo, deixar-me ser ser megera, ser puta, ser difamado, ser o que também te trouxe o veneno - doce - e letal dessa sentença chamada amor.
e cantar, cantar, dizer que eu sofro às vezes, muito, que eu choro pra caralho, que eu, na verdade, adoro vitimizar. me perguntam sempre: filipe, porque você não toca samba? não toco samba porque minha bossa é um pouco mais tensa, e onde eu vivo faz frio, e tem violinos nos tetos. daqueles agudos. da minha vida, o que levo, são os acordes agudos anunciando esse final, efêmero. final verdadeiro. e cantar meus dramas? eu canto. e a platéia que chore, e os dentes que doam, e o coração que se esprema. no meu palco, falta confete. à platéia, meu desdém. cantar é minha vingança."

filipe catto
24 de abril de 2007.

Thursday, March 22, 2007

A PAIXÃO DA MEDUSA


pela pena que é cobrada
por amar, oh guerreiro
não me expõe teus calcanhares
quando eu, assim, no pedestal onde ostento
minhas três espadas,
prefiro ferir-me a mim, a tocar-te o sensível
pela pena de arriscar, tu, guerreiro
que cansou de sangue
como uma mãe, rezo aos meus deuses
que não me vejas, ou sim
que as serpentes virem espelhos
onde eu me mire no mesmo instante que te tocar
e que vire pedra contigo
e não só tu
nem só a mim.

Monday, March 19, 2007

Sunday, February 04, 2007

ah, sim, queria mais juras de amor
ensinando-te a dizer "te amo"
como se arrancasse um sentimento
da tua boca aberta,
o abismo entre os lábios
e apenas um sopro, um vácuo
queria mais juras de amor,
pra que pudesse me atirar
e te prender pra sempre
na cela do meu átrio
queria uma razão pra ser inteiro
pra ser inteiro e teu

pra ser teu, e meu o teu segredo
calado, pairando
entre um supiro e outro
de uma boca onde não sai nada
então, me aventuro
e me embrenho sem migalhas pra achar final
sem corda pra saída
queria um eu te amo, não o tive
da maneira que hemorrágica que eu concebi
aprendi a falar
perdoei teu silêncio
pra me deixar perder na selva do teu peito
não tem jeito:
a promessa engasgou em ti.